O valor do emprego X o custo das importações da China
Por Amando Varella, Co-CEO e diretor Comercial e de Marketing da Papirus
A recente decisão dos Estados Unidos de quadriplicar as taxas de importação de veículos elétricos chineses, para mais de 100%, e de dobrar as taxas de semicondutores, para 50%, além de tomar medidas restringindo outras inúmeras categorias de produtos provenientes da China, é uma sinalização importante de que os tempos de liberalismo no comércio internacional estão em xeque. O motivo, como demonstra a reação não somente dos EUA, mas também da União Europeia, é a rápida escalada das exportações chinesas a valores bem abaixo de parâmetros de mercado.
Acusações de concorrência desleal têm partido de lideranças como o presidente americano Joe Biden, que acusou Pequim de “trapacear” ao conceder subsídios importantes à produção de suas empresas, especialmente às do setor automotivo.
Um dos pressupostos da teoria liberal de comércio exterior, de que quanto mais abertos os mercados nacionais, mais ricas seriam as nações integradas pelo comércio – visto que cada país se especializaria em determinados segmentos, de acordo com os seus perfis –, parece agora ultrapassada e atropelada pela política da China.
No setor de papel cartão, a situação não é diferente. Nos EUA, processos de direito antidumping contra produtores chineses estão em andamento. Na União Europeia, o mesmo ocorreu, com aplicação de direito antidumping sobre alguns NCMs de produtos chineses. No México, a tarifa de importação saltou de 25% para 35%. Trata-se, portanto, de um movimento de pressão internacional desencadeado pelas indicações de que subsídios e outras formas de incentivo estão alimentando a invasão dos produtos chineses.
No Brasil, diversos setores, como o siderúrgico e químico, engrossaram o coro contra a concorrência desleal promovida pela China com sua política de manter suas fábricas produzindo a qualquer custo. Também o setor de papel cartão brasileiro, assim como nos EUA e na UE, sofre fortemente este impacto, já apresentando riscos quanto ao nível de emprego e aos investimentos, e tornando urgente ao governo rever as tarifas de importação.
EMPREGOS A MENOS EM TROCA DO PAPEL CHINÊS
Ao abrir suas fronteiras, no início da década de 90, o Brasil tinha como objetivo dar acesso a produtos de alta tecnologia ao consumidor brasileiro e acesso a preços competitivos para os bens em geral. Desde então, a política de comércio exterior se tornou também um regulador de preços, sempre de olho na contenção da inflação. Ou seja, a qualquer sinal de alta acentuada de preços no mercado interno ou de desequilíbrio entre oferta e procura, estava aí a importação para equilibrar a equação.
Mas, sob esse aspecto, a análise sobre os prós e contras dessa abertura e da entrada desenfreada dos produtos chineses, deve passar também pela seguinte questão: quanto o preço do papel cartão influencia efetivamente a inflação, e qual o impacto que essa concorrência predatória traz sobre a indústria nacional em termos de empregos e investimentos?
Fazendo uma conta simples, e tomando como exemplo uma embalagem de creme dental de 6 gramas (produto que está na cesta básica desde 2010), o preço do produto no ponto de venda é de R$ 6,80. A preços atuais, o custo com o papel cartão corresponde a 1% do preço do produto no varejo. Ainda que o preço do papel cartão desta embalagem subisse 8%, o impacto no preço do produto seria ínfimo, sem dizer que este custo ainda seria diluído dentro dos inúmeros itens considerados no cálculo da inflação.
Por outro lado, a experiência mostra que mesmo quando o preço do papel cartão cai, isso não se reflete na inflação, porque a inflação não provém da embalagem. Não é o custo desta que influencia a variação dos preços ao consumidor.
Em contrapartida, qual é o custo de um emprego no setor de papel cartão? Ou quanto uma indústria deixa de investir em expansão diante da tão predatória concorrência chinesa? Quantas dezenas ou centenas de empregos podem se perder, e quantos milhões de reais de investimento podem ser engavetados por uma situação que asfixia a indústria nacional?
Por isso, mesmo tendo ciência de que políticas de governo devem ser administradas pensando no conjunto dos preços, é fundamental que não se perca de vista o que há de essencial em uma economia: a atividade produtiva, a geração de empregos e de receitas. Isso diante de situações que expõem claras distorções de práticas comerciais internacionais, práticas estas que levam países desenvolvidos a reagir, a se proteger e a tomar medidas para garantir a sobrevivência desta indústria.