Indústria de papel cartão brasileira é ameaçada por “desova” da China na América Latina
“De todo modo, as exportações chinesas com destino à América Latina são um risco para exportadores do Brasil e Chile”, avalia o economista Rafael Barisauskas

Enquanto a economia global acompanha a tensa guerra tarifária entre Estados Unidos e China, diversos setores avaliam de forma cautelosa as consequências que podem impactar seus mercados. No caso do papel cartão, a relação de importação com a China já era uma preocupação antes mesmo do panorama atual e deve continuar sendo observada com atenção, pois afeta o equilíbrio de oferta e demanda interna do setor.
Nesse sentido, em 2024, o Brasil aprovou um aumento na tarifa de importação – de modo geral – para dois grades específicos de papel cartão, de 12,6% para 16%. Segundo Rafael Barisauskas, economista na Fastmarkets para América Latina e professor de Economia na FECAP, na prática, o reajuste teve pouco efeito.
“O Brasil tem importado cada vez mais papel cartão chinês, que hoje já rivaliza com as importações chilenas em termos de volume. Em 2024, o Brasil importou cerca de 21 mil toneladas de papel cartão chinês, alta de quase 19% ante 2023, enquanto o volume total importado do produto no ano cresceu 8.1%, indicando aumento do market share chinês, que chegou a 16.5% no ano passado. Porém, para alguns grades específicos mais nichados, essa participação é ainda maior , explica Barisauskas.
Diante desse cenário, o atrito comercial entre China e EUA pode afetar o comércio global de papel cartão, mesmo que de forma indireta. “Hoje, os EUA não importam papel cartão da China, mas o produto chinês acaba indo para o mercado americano de toda forma pois o México, importante fornecedor de manufaturas para os EUA, é um grande destino das exportações de papel cartão Chinês”, complementa Rafael.
De acordo com o economista, no ano passado, o México recebeu cerca de 108 mil toneladas de papel cartão chinês, alta anual de 2%, mesmo após ter imposto tarifas de 25-35% sobre o produto em maio e em meio à demanda doméstica mais fraca. “Fabricantes chineses têm mirado na América Latina para ‘desovar’ parte da sua produção sobressalente nos últimos anos, muitas vezes com produto virgem chegando à região mais barato do que papel cartão reciclado produzido localmente. Em 2020, a China representava cerca de 6% das importações latino-americanas de papel cartão, participação que chegou a quase 19.5% em 2024 mesmo com tarifas adicionais”, ressalta.
Nesse contexto, conforme avalia o especialista, se o México exportar menos manufaturas para os EUA diante de uma possível desaceleração da economia americana, significa que exportadores chineses de papel cartão devem buscar mercados alternativos para “desovar” sua produção, e outros países da América surgem como possíveis destinos, competindo com exportações do Brasil e do Chile. Por outro lado, se o México ampliar suas exportações de manufaturas para os EUA por qualquer razão que seja, é provável que a China continue exportando volumes crescentes de papel cartão por lá, competindo também com exportações brasileiras e chilenas naquele mercado.
“O aumento nas exportações chinesas de papel cartão representam de forma geral um risco para exportadores latino-americanos em geral, sejam eles brasileiros ou chilenos. O cenário para os próximos meses é de cautela e incerteza, pois ainda há muita indefinição sobre a dinâmica econômica dos EUA para 2025, e que segue caminhando para um cenário de forte desaceleração”, enfatiza Barisauskas. “Assim, compradores de papel brasileiro têm adotado cautela nas importações e adiado compras para evitar a construção de estoques desnecessários. Na outra ponta, exportadores chineses devem buscar cada vez mais mercados alternativos para ‘desovar’ sua produção, e a América Latina segue sendo um forte candidato”, conclui.