Guerra tarifária entre EUA e China altera rotas do comércio global e abre oportunidades para papel e celulose na América Latina
Sobretaxas impulsionam cautela entre produtores da região, mas também criam brechas para novos fluxos de exportação e acordos comerciais

A escalada da guerra tarifária entre Estados Unidos e China, intensificada desde o início de 2025 com o retorno de Donald Trump à Casa Branca, está reconfigurando as dinâmicas do comércio global e abrindo novas oportunidades para a indústria de papel e celulose na América Latina.
DISPUTA TARIFÁRIA ATINGE NOVO PATAMAR
As tensões diplomáticas entre as duas maiores economias do mundo alcançaram um novo patamar nas últimas semanas. O chanceler chinês Wang Yi afirmou na última segunda-feira, 14, que “os países da América Latina não são quintal de ninguém”, em resposta direta ao secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, que havia se referido à região como um “quintal que deveria ser recuperado pelos americanos”.
A disputa verbal ocorre em um momento de intensa guerra comercial. Desde janeiro de 2025, o governo Trump implementou sobretaxas crescentes sobre produtos chineses, chegando a 245% em 16 de abril . Em resposta, Pequim elevou suas tarifas sobre produtos americanos para 125% no último sábado, 12.
IMPACTOS NA INDÚSTRIA PAPELEIRA
A guerra comercial está gerando efeitos significativos para o setor de papel e celulose brasileiro e latino-americano. Beto Abreu, CEO da Suzano, uma das maiores produtoras de celulose do mundo, manifestou preocupação durante evento do Bradesco BBI: “Durante a guerra tarifária de 2017-18, a economia global arrefeceu 0,7%. Quando olhamos para esse ano, pode arrefecer 1 ponto percentual, tirando demanda de muitos mercados”.
Este cenário de incertezas tem feito com que grandes produtores de celulose de fibra curta no Brasil, Chile e Uruguai adotem uma postura cautelosa, aguardando mais clareza sobre o impacto das tarifas em seus clientes chineses e europeus.
Por outro lado, a redistribuição dos fluxos comerciais pode beneficiar produtores latino-americanos. Enquanto os EUA e a China impõem tarifas crescentes entre si, fabricantes de papel e celulose da região possuem uma oportunidade de preencher lacunas de fornecimento em ambos os mercados.
BRASIL COMO FORNECEDOR ESTRATÉGICO
O Brasil, como um dos maiores produtores mundiais de celulose de fibra curta, está em posição privilegiada neste novo cenário geopolítico. Da mesma forma que o setor agrícola brasileiro tem se beneficiado da guerra tarifária – com aumento de 33% nas exportações de carne bovina para a China no primeiro trimestre de 2025 – a indústria papeleira pode encontrar novas oportunidades.
De acordo com a Indústria Brasileira de Árvores (IBÁ), o mercado de papel e celulose no Brasil obteve uma receita bruta de R$ 260 bilhões em 2022, com crescimento de 6,3% em relação ao ano anterior. A guerra tarifária pode acelerar esta tendência, especialmente para o segmento de celulose de fibra curta, onde o Brasil possui vantagens competitivas.
DESAFIOS LOGÍSTICOS PERSISTEM
Apesar das oportunidades, gargalos logísticos continuam sendo um desafio para o setor papeleiro latino-americano. A capacidade dos portos brasileiros ainda é limitada frente ao potencial aumento das exportações. No entanto, especialistas apontam que o atual cenário geopolítico pode atrair investimentos estrangeiros em infraestrutura, facilitando o escoamento da produção.
O momento também exige que as empresas do setor diversifiquem seus fornecedores, invistam em automação e digitalização, e fortaleçam suas cadeias de suprimentos para aumentar a resiliência frente às turbulências do comércio global.
ENCONTRO ESTRATÉGICO EM BRASÍLIA
A importância deste novo cenário é evidenciada pela visita da cúpula do Ministério da Agricultura e Assuntos Rurais da China ao Brasil, programada para esta semana em Brasília, nos dias 16 e 17 de abril. A comitiva chinesa, liderada pelo vice-ministro Zhang Zhili, terá encontros com o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, para discutir cooperação bilateral.
Embora o foco principal seja o setor agrícola, o encontro também discutirá infraestrutura logística e comércio, temas de interesse direto para a indústria papeleira. A visita ocorre no contexto da intensificação da guerra tarifária e pode abrir portas para novos acordos comerciais envolvendo o setor de papel e celulose.
PERSPECTIVAS PARA O SETOR
Analistas projetam que o mercado global de papel e celulose atingirá US$ 377,58 bilhões até 2029, impulsionado por avanços tecnológicos e mudanças nos comportamentos dos consumidores. As empresas latino-americanas, como a brasileira Suzano e a chilena Arauco, estão bem-posicionadas para capturar parte deste crescimento, especialmente se conseguirem se beneficiar da redefinição das rotas comerciais provocada pela guerra tarifária.
No entanto, o setor deve permanecer atento às rápidas mudanças no cenário geopolítico e preparado para ajustar suas estratégias. Como alertou o presidente chinês, Xi Jinping, “não há vencedor numa guerra de tarifas, e ir contra o mundo levará ao isolamento” – uma reflexão que ressalta a volatilidade do atual momento e a necessidade de planejamento estratégico para o setor papeleiro latino-americano.