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Novo decreto traz segurança ao mercado de aparas de papel, mas desafios estruturais persistem

Por executivos da Associação Nacional dos Aparistas de Papel (Anap)

A recente publicação do Decreto nº 12.451, de 6 de maio de 2025, que regulamenta as exceções à proibição de importação de resíduos sólidos no Brasil, é uma medida inequivocamente positiva para o mercado de papel e, fundamentalmente, traz um novo horizonte de segurança e proteção para os aparistas de todo o país.Essa iniciativa governamental é especialmente significativa quando recordamos o cenário desolador de 2021, ano em que uma importação de aparas de papel correspondente a meros 5% do volume nacional foi suficiente para desencadear uma queda drástica de 75% nos preços das aparas marrons. Tal evento não apenas desestabilizou profundamente o mercado, mas também colocou em risco a subsistência de milhares de profissionais e a viabilidade econômica de inúmeras empresas que são a espinha dorsal da cadeia de reciclagem de papel no Brasil.
O novo decreto, ao estabelecer critérios mais rigorosos para a importação e priorizar o mercado interno, conforme detalhado em seus artigos 2º, 3º, 7º e 8º, representa, portanto, uma proteção crucial e bem-vinda contra práticas predatórias e a excessiva volatilidade imposta por um mercado internacional nem sempre alinhado com as necessidades de desenvolvimento da nossa indústria nacional.

A Associação Nacional dos Aparistas de Papel (ANAP) recebe com otimismo esse avanço. É inegável que a regulamentação traz um alívio imediato e necessário. A ANAP reconhece o esforço do governo em atender a um pleito antigo do setor, que busca previsibilidade e condições justas para competir e prosperar. A proteção conferida pelo decreto é vital para que os aparistas possam continuar seu trabalho essencial, garantindo o suprimento de matéria-prima para a indústria papeleira e contribuindo ativamente para a economia circular.

No entanto, é fundamental que essa medida alfandegária, que resguarda o mercado doméstico das intempéries do comércio internacional de resíduos, seja compreendida como parte de uma estratégia mais ampla, com início, meio e, crucialmente, um fim atrelado a políticas consistentes de desenvolvimento do mercado nacional de reciclagem.
A simples proibição ou restrição da importação, por mais bem-vinda que seja no curto prazo, não endereça as causas profundas dos problemas que afligem a cadeia de valor das aparas de papel no Brasil. A raiz da questão reside, em grande medida, na crônica ineficiência do nosso sistema de logística reversa de resíduos sólidos urbanos. Contratos de coleta e triagem, frequentemente delegados a municípios com recursos escassos e políticas descentralizadas, acabam por relegar a sustentabilidade e a reciclagem a um plano secundário. Nesse cenário, o nobre e essencial trabalho dos catadores de materiais recicláveis, em vez de ser devidamente valorizado e profissionalizado, muitas vezes se perpetua sob a forma de assistencialismo social, mantendo esses trabalhadores em condições de vulnerabilidade.

Enquanto nações desenvolvidas investem em Unidades de Triagem Mecanizada (UTMs), que proporcionam maior eficiência, capacidade de processamento, lucratividade e, fundamentalmente, postos de trabalho mais dignos e seguros, o Brasil parece, por vezes, orgulhar-se de uma abordagem que mantém a reciclagem dependente de mão de obra em condições insalubres e de baixa remuneração. Em um mundo cada vez mais automatizado e digitalizado, insistir em um modelo de sustentabilidade que se apoia no assistencialismo e no trabalho manual precário é um desserviço ao potencial do nosso país e ao seu povo.

Resolvemos, com o decreto, um problema imediato de queda de preços para os aparistas e catadores, mas corremos o risco de mantê-los em uma condição de fragilidade estrutural por tempo indefinido se não avançarmos em outras frentes.
O verdadeiro equacionamento dos desafios do setor de reciclagem de papel passa pela mudança na matriz de coleta, pela disponibilização de recursos e incentivos fiscais que fomentem a modernização e a eficiência, e pela profissionalização dos catadores, integrando-os formalmente em postos de trabalho qualificados dentro da própria área em que já possuem domínio técnico.
Além disso, é premente a criação de medidas que fortaleçam a demanda por material reciclado nacional, como os aguardados decretos do papel e do plástico, que visam estabelecer índices obrigatórios de utilização de material reciclado pela indústria, e que se encontram em discussão há demasiado tempo no âmbito governamental.

É preciso, portanto, atuar simultaneamente na oferta qualificada de aparas de papel — fruto de uma coleta e triagem eficientes e profissionalizadas — e no estímulo à demanda por essa matéria-prima reciclada. Somente assim o Brasil poderá colocar seu mercado de reciclagem no mesmo patamar de economias desenvolvidas.
Quando o mercado doméstico estiver robusto, tecnologicamente avançado e economicamente sustentável, a discussão sobre importar ou exportar resíduos perderá sua conotação de ameaça, pois estaremos preparados para competir globalmente em condições de igualdade.

A ANAP conclama o governo e a sociedade a não se contentarem com soluções imediatistas, por mais importantes que sejam. O Decreto nº 12.451/2025 é um passo na direção certa, mas a jornada para um setor de reciclagem de papel verdadeiramente forte, justo e sustentável exige visão de longo prazo, políticas públicas estruturantes e o rompimento com um ciclo vicioso que, historicamente, nos distancia do progresso alcançado no cenário internacional.
O futuro do setor — e do país — depende de ações concretas e coordenadas hoje.

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ANAP Associação Nacional dos Aparistas de Papel

A coluna da ANAP é assinada por Marcelo Bellacosa, presidente da ANAP e CEO da SCRAP Ambiental; João Paulo Sanfins, vice-presidente da ANAP e sócio-diretor do Grupo CRB (Comércio de Resíduos Bandeirantes); Gabriel Vicchiatti, conselheiro da ANAP e CEO da Vicchiatti Ambiental; e Fábio Suetugui, conselheiro da ANAP e gerente da Repapel.
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