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Crise no setor de papéis reciclados ameaça cadeia de suprimentos

Excesso de oferta de fibra virgem e preços baixos desestimularam reciclagem, causando desorganização e perda de mercado para aparistas

A indústria de papéis reciclados, especialmente o segmento dos aparistas — responsáveis pela compra de resíduos de papel de cooperativas, sucateiros e catadores, e pela venda das aparas recicláveis para fabricantes de embalagens de papelão ondulado, papel cartão e papéis de higiene — está atravessando uma crise sem precedentes. A Associação Nacional dos Aparistas de Papel (Anap) alertou que, após a pandemia de Covid-19, que inicialmente causou uma escassez de material pós-consumo e uma alta nos preços das aparas, a situação se inverteu drasticamente.

O mercado agora enfrenta um excesso de oferta de papéis de fibra virgem, provenientes 100% da celulose, tanto no mercado doméstico quanto no internacional. Isso levou muitos produtores de embalagens a abandonarem o uso de matéria-prima reciclada. Além disso, a forte queda nos preços da celulose até meados de 2023 incentivou ainda mais seu uso pelas empresas papeleiras.

A Klabin, maior produtora de papéis de embalagem e de papelão ondulado do Brasil, inaugurou duas novas máquinas de papel — uma de kraftliner e outra de papel cartão, com capacidade de produção de 450 mil e 460 mil toneladas, respectivamente. No entanto, a empresa suspendeu operações em unidades de reciclados, optando pela fibra virgem em suas embalagens. Recentemente, a Klabin começou a retomar a produção de reciclados.

“A indústria papeleira voltou a comprar aparas mais recentemente, mas os preços ainda não estimulam a atividade”, afirmou João Paulo Sanfins, vice-presidente da Anap. Durante o auge da pandemia, o quilo da sucata de papelão custava R$ 2,00. No momento mais crítico, o preço caiu para R$ 0,50.

Sanfins destacou que a importação de resíduos de papel, que entraram no país sem controle quando faltavam aparas no mercado interno, e os estoques elevados da matéria-prima ainda desestimularam a atividade. Em 2023, o governo interveio para limitar essas importações, não só de papel, mas também de plástico e vidro. No ano passado, o volume total coletado pelos aparistas diminuiu cerca de um terço em comparação às 4,9 milhões de toneladas de 2022.

No entanto, há sinais animadores no horizonte. Segundo um relatório mensal da GO Associados para a Anap, em fevereiro, o consumo total de aparas de papel caiu 1,82% em relação a janeiro, com redução nas aparas de papel de embalagem (-1,8%) e de papel de imprimir e escrever (-6,6%). Comparado ao ano anterior, houve um aumento em todas as categorias analisadas, com destaque para embalagens, que subiram 12,5%.

Apesar dessa recuperação recente, Sanfins apontou que os danos na cadeia de valor já foram significativos: “Faltou uma visão estratégica da indústria papeleira sobre a cadeia de suprimentos. Para cada tonelada de aparas que a indústria deixa de comprar e uma tonelada de fibra virgem que passa a produzir, são duas toneladas a menos de mercado para os aparistas”.

A demanda enfraquecida e os preços das aparas de papel, atualmente pouco acima do piso histórico, desorganizaram a cadeia de coleta. Os valores atuais não são suficientes para atrair de volta catadores e cooperativas que anteriormente se dedicavam à coleta de papel usado. Como resultado, muitos abandonaram a coleta de resíduos de papel, optando por coletar plásticos ou se envolver em outras atividades, o que significa que mais caixas e produtos de papel acabaram em aterros sanitários em vez de serem reciclados.

Sanfins, que lidera a Comércio de Resíduos Bandeirantes (CRB), uma empresa familiar com meio século de história em Belo Horizonte, enfatizou a necessidade de uma maior conscientização da indústria papeleira sobre a importância dos aparistas para a cadeia de reciclagem do papel. Ele também destacou a necessidade de um apoio governamental mais rigoroso na defesa da economia circular. Medidas como a obrigatoriedade do uso de papel reciclado, já adotadas em alguns países europeus, e a implementação de regras mais efetivas para a logística reversa poderiam trazer mais previsibilidade ao setor.

O Brasil é uma referência global na reciclagem de papéis, com taxas próximas a 70%. A Anap, por sua vez, conta com 55 aparistas associados, que representam cerca de 35% do volume total transacionado no país.

Fonte
Valor Econômico
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